Chama-se Calor, do Bill Buford, e é uma ótima leitura para metidos a cozinheiros: além de extremamente bem-humorado e divertido, o livro conta de maneira bem real o cotidiano de uma cozinha de restaurante, o estilo de vida dos chefs, a hierarquia da cozinha e, o que eu mais gostei, a filosofia da comida italiana. Calor conta duas histórias: a do chef Mario Batali, renomado chef do restaurante Babbo (que acaba sendo o palco de grande parte da história do livro), desde seus estudos na Cordon Bleu em Paris, passando por sua temporada trabalhando para o chef Marco Pierre White, seus dias aprendendo a cozinhar a comida autenticamente italiana em uma cidadezinha chamada Porretta Terme (entre a região da Bolonha e Florença); a outra história e a do próprio autor que resolve, no que a mulher dele chama de uma “crise de meia idade”, trabalhar como escravo na cozinha do restaurante de Batali, o Babbo, passando por todas as praças da cozinha… Não terminei o livro ainda, parei no capítulo em que Buford explica o comportamento e os métodos de preparo da Polenta (how cool is that?). O livro é, ao mesmo tempo que instrutivo, divertidíssimo; já dei risada sozinha com os “causos”que ele conta!
Um dos melhores efeitos da narrativa do livro é me deixar com uma extrema vontade de cozinhar, da maneira mais autêntica italiana possível. Comida italiana é a minha predileta: é simples, tradicional, familiar e decadentemente deliciosa. Sem frescuras: puro sabor.
Em um dos capítulos, Bill explica o conceito de ragu, que aprendeu na cozinha do Babbo. “Basicamente, o ragu é uma equação que envolve um sólido (carne) e um líquido (caldo ou vinho), mais um cozimento lento, até alcançar um resultado que não é sólido nem líquido.” O ragu mais famoso é o bolognese que, no Brasil, a gente faz com molho de tomate e carne moída. Não me entenda mal, eu não sou enjoada: gosto do jeito brasileiro.
Um ragu bolognese tradicional, no entanto, é coisa de outro mundo: leva dois tipos de carne (vaca e porco, geralmente pancetta, vitela moída e/ou prosciutto), três líquidos (caldo, vinho e leite), tomates, noz-moscada (às vezes, canela). Pense no sabor do treco! Bill fala mais: “em qualquer variação, o resultado é uma textura característica de todos os ragus: uma viscosidade farelenta, uma consistência que não é sólida nem líquida, mais seca do que úmida, mais para creme do que para molho… um “condimento”… que nunca é mais importante do que a própria massa”. Te convenci?
O ragu é algo muito pessoal na Itália, cada um tem o seu, geralmente adaptações de receitas da família que passam de geração em geração. O meu ragu… Tentei fazer de maneira mais real para os padrões brasileiros. Sejamos francos, ninguém aqui tem o hábito de comprar vitela moída, tem? Por isso, depois de pesquisar um trilhão de receitas (todas de italianos de verdade, inclusive a do Batali, na qual me baseei) resolvi usar carne moída bovina mesmo (patinho é uma carne magra – o que os italianos não apreciariam muito – mas eu queria ser um pouco mais saudável dessa vez; da próxima eu coloco bacon também) que todo mundo pode comprar! Quanto ao preparo e aos outros ingredientes, a minha receita se aproximou bastante às receitas italianas.
Já falei bastante sobre o ragu bolognese em termos técnicos, eis a minha opinião sobre ele: tão delicioso, tão cheio de camadas e camadas de sabor que… que você nunca mais vai querer comer outro tipo de bolonhesa.
Spaghetti al Ragu Bolognese
- 500g de spaghetti seco
- 1 cebola grande
- 1 cenoura pequena ou média
- 3-4 dentes de alho
- Azeite de oliva
- 2 colheres de sopa de manteiga
- 500g de carne moída
- 1 xícara de leite integral
- 1 1/2 (ou mais) de vinho tinto
- 1/2 xícara (ou mais) de pasta/molho/extrato (dos bons) de tomate
- Sal
- Pimenta
- Noz-moscada
- Manjericão
(as medidas não são exatas porque dependem do seu gosto, lembre-se que o ragu deve ser algo pessoal, portanto, liberte-se da exatidão e precisão enjoada da culinária francesa; eis que te apresento a maravilhosa culinária italiana, que se faz com a alma.)
- Descasque a cenoura (tire a pele delicadamente, raspando a faca nela) e a cebola, corte-as em cubinhos. Descaque também o alho e pique-o.
- Em uma panela de fundo grosso, coloque o azeite e a manteiga (o azeite não deixa que a manteiga queime) para derreter. Então, acrescente a cenoura e a cebola. Refogue até que a cenoura esteja mais macia e a cebola esteja translúcida. Adicione o alho e refogue por mais alguns instantes.
- Acrescente a carne moída e refogue até que esteja completamente cozida, mexendo sempre (mais ou menos 20 minutos).
- Adicione o leite e deixe o evaporar, em fogo baixo.
- Acrescente também o vinho, tampe a panela e deixe cozinhando por mais ou menos 1h (ou mais). Cozinhe em fogo bem baixo e, se o vinho “secar” coloque um pouco mais.
- Adicione a pasta de tomates e misture bem, deixe cozinhando em fogo baixo por mais 20 minutos.
- Cozinhe o macarrão em uma outra panela, cheia de água salgada e fervente pelo tempo necessário (siga as instruções do rótulo).
- Voltando ao ragu, tempere-o a gosto e mantenha-o aquecido até o total cozimento do macarrão na outra panela de água.
- Em um panela grande, coloque o ragu e o macarrão (Não drene o macarrão, retire o da água com uma pinça de cozinha. A água do cozimento é um dos melhores ingredientes para um macarrão bem sucedido, ela é rica em amido que ajuda a engrossar o molho. Em nenhuma hipótese jogue ela fora sem antes utilizar o que você precisa para a receita) e deixe o macarrão cozinhar um pouco no ragu (por isso é importante retirar o macarrão do cozimento em água um pouco antes do tempo que a embalagem prevê). Se o ragu estiver muito seco, coloque um pouco da água do cozimento da massa.
- Sirva com manjericão e parmesão e coma de olhos fechados, saboreando e gesticulando como um italiano faria.